Foi apenas um sonho infantil

O amor pareceu-me concreto
palpável
tangível
olfativo
gustativo

Abriu-me a porta da liberdade
soltou-me as amarras
dos papéis sociais
das mascaras forçadas
das tristezas mascaradas
da beleza muda

O amor tirou-me o chão
das noites insones
dos tédios pesados
das ansias trancadas
dos suores aflitos
dos pavores arregalados
em apartamentos apertados

Encheu-me o peito de ar
fez-me perceber vivo
auscutou-me a respiração
pos-me a pé na estrada da loucura
senti meu coração vivo
ouvi minha respiração tranquila
saborei o gosto da chuva
do orvalho acordado em minha boca pela sua
degustei o odor madrigal da transpiração da flora
vi a vida de verdade
eu estava Liberto
da escravidão cotidiana dos ponteiros
patrões ingratos
do açoite mínimo mensal
do feitiche iludido
do ter por ter
do acumulo por acumulo
Liberto
eu estava Liberto
da condição de lutar
por status
por reconhecimento
pela honra
Liberto de ter que ser
o que querem que eu seja

...

O orvalho viajava
pelo ar
tal pluma desgarrada
ao canto do sabiá
adentrando sem cerimonias
meu sono tranquilo
junto a quintura rajada
suspensa
raiada em minha pele
no alvorecer de mais um dia

Junto ao orvalho
e aos primeiros raios de sol
o café quente
desfilando numa sala simples
com frutas expostas
colhidas na hora
na humildade de nossa pequena horta

Você, meu Amor,
rubrou-me o rosto
tocou-me o amago do sentimento
com um sorriso matinal
levemente lacteo ao canto da boca
agradecida de ter posto-te o desejum
retribui-la com o beijo do silêncio
silêncio da reciprocidade
da cumplicidade
do companheirismo
da simplicidade de uma vida de verdade

...

Como quem cai de uma rede
abriu-me os olhos
a queda brusca
da volta à realidade
busquei-te em volta
não achei-te
encontrei-te na lembrança amarga
de um não acompanhado de: - "Egoísta!..."
e vir-me então
maduro acordado
numa sala vazia
com paredes frias
de um tédio crescente
com lágrimas solitárias
da perda da alegria
e de um amor ausente.

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